May 01, 2018
Arjun Jayadev and Dean Baker
Intellectual Property Watch, 30 de abril, 2018
Historicamente, o Brasil se encontra na vanguarda dos países em desenvolvimento, pressionando por um regime de propriedade intelectual (PI) mais equilibrado.
Nas duas últimas décadas, houve grave retrocesso do mundo em desenvolvimento contra o regime dominante de PI. Em grande parte, isso ocorre porque os países mais ricos têm procurado impor um modelo único para todos no mundo, influenciando o processo de elaboração de regras na Organização Mundial do Comércio (OMC) e forçando a vontade deles por meio de acordos comerciais.
Os padrões de propriedade intelectual preferidos por países avançados, em geral, são elaborados não para maximizar a inovação e o progresso científico, mas para maximizar os lucros de grandes empresas capazes de influenciar negociações comerciais. Não surpreende, portanto, que grandes países em desenvolvimento com bases industriais substanciais – como a África do Sul, Índia e Brasil – liderem o contra-ataque.
Esses países têm toda razão em se oporem a um regime de PI que não é nem equitativo nem eficiente. Em um artigo recente, para um projeto da Fundação Shuttleworth sobre acesso a medicamentos, e publicado pela Fiocruz no Rio de Janeiro, entre outras instituições, revisamos os argumentos sobre o papel da propriedade intelectual no processo de desenvolvimento. Mostramos que a preponderância de evidências teóricas e empíricas indica que as instituições econômicas e as leis que protegem o conhecimento nas economias avançadas de hoje são cada vez mais inadequadas para governar a atividade econômica global e são inadequadas para atender às necessidades dos países em desenvolvimento e emergentes.
Mesmo nos Estados Unidos e em outros países industrializados avançados, o sistema de patentes passa por um período de crise. Há uma preocupação generalizada em relação à proliferação de patentes ruins – aquelas que não são avanços reais ao conhecimento existente. Patentes ruins podem gerar impedimentos à inovação subsequente, ao mesmo tempo em que criam, na melhor das hipóteses, incentivos fracos para atividades inovadoras em si.
Em áreas como a da tecnologia da informação, todo um conjunto de patentes ruins e uma epidemia de excesso de patenteamento dificultaram a inovação subsequente e corroeram alguns dos ganhos da criação de conhecimento. Há um encolhimento do conhecimento comunitário [knowledge commons], mesmo a inovação financiada e promovida com recursos públicos é privatizada, reduzindo assim a equidade e a eficiência. Não há consenso sobre o que exatamente deve ser feito, mas é certamente reconhecido que o sistema atual não é satisfatório para os países desenvolvidos.
O problema central é que o conhecimento é um bem público (global), tanto no sentido técnico de que o custo marginal de alguém que o utiliza é zero, quanto no sentido mais geral de que um aumento no conhecimento pode melhorar o bem-estar globalmente. Diante disso, a preocupação tem sido de que o mercado diminuirá a oferta de conhecimento e a pesquisa não será adequadamente incentivada.
Ao longo do final do século 20, a sabedoria convencional era que essa falha de mercado poderia ser melhor corrigida com a introdução de outra: monopólios privados, criados por meio de patentes rigorosas, rigorosamente aplicados. Mas a proteção da PI privada, que tem sido mais problemática do que o previsto, mesmo para países avançados, é apenas uma maneira para resolver o problema de incentivar e financiar a pesquisa.
Uma “floresta de patentes” cada vez mais densa em um mundo de produtos que exigem milhares de patentes, tem, por vezes, sufocado a inovação, com mais gastos com advogados do que com pesquisadores, em alguns casos. A pesquisa é muitas vezes direcionada não para a produção de novos produtos, mas para a extensão, ampliação e alavancamento do poder de monopólio concedido por meio da patente.
Reconhecemos que o Brasil tem um sério problema com um grande volume de pedidos de patentes em análise [backlog of patents], mas a solução proposta de aprovar patentes sem uma análise substantiva é convidar um desastre. Embora muitas das patentes pendentes sejam certamente merecedoras de aprovação, sem dúvida, não é o caso de muitas delas.
Em alguns casos, há pedidos de patentes solicitadas que sobrepõem patentes existentes. Este tipo de situação será um convite para um grande número de ações judiciais, já que os proprietários de reivindicações conflitantes lutarão pelos royalties.
Na mesma linha, muitas das patentes pendentes são quase frívolas. Há uma longa história de pessoas tentando patentear processos ou produtos que são completamente óbvios e não envolvem inovação alguma. Por exemplo, a Amazon tentou patentear o uso de compras online com apenas um clique. A concessão de patentes frívolas aumentará drasticamente os custos para os consumidores brasileiros, pois terão que pagar taxas de patentes por itens que deveriam ser gratuitos, assim como impedirá novas inovações, já que muitas áreas de pesquisa serão muito mais caras como resultado de patentes concedidas erroneamente.
O resultado dessa concessão de patentes por atacado será simplesmente transferir o acúmulo no escritório de patentes para o judiciário, já que a ideia praticamente garante uma enxurrada de ações judiciais com as quais o judiciário brasileiro não será capaz de lidar.
O atual grande volume de pedidos de patentes em análise [backlog of patents] no Brasil é problemático. Os pedidos de patentes pendentes também podem ser prejudiciais à inovação, à concorrência e ao acesso aos frutos da inovação. No entanto, a “solução” proposta não é o caminho correto. Ela é contra a posição histórica do Brasil de lutar por um melhor equilíbrio entre os sistemas público e privado e os países desenvolvidos e em desenvolvimento no sistema de PI. Também é contra evidências teóricas e empíricas que mostram que um sistema mais aberto poderia encorajar a difusão do conhecimento, levando ao crescimento econômico – e, portanto, a ganhos no desenvolvimento e bem-estar humano, opondo-se ao que está sendo feito por outras economias emergentes.
A África do Sul, por exemplo, após décadas implementando um sistema sem análise para a concessão de patentes, em que as reivindicações só são questionadas se um terceiro as desafia, está implementando uma grande mudança política cujo objetivo principal é acabar com sistema de patente depositário.
Um regime de PI ditado pelos países avançados há mais de um quarto de século, em resposta à pressão política de algumas de suas corporações mais poderosas, faz pouco sentido no mundo atual. Maximizar os lucros para alguns, ao invés de desenvolvimento global e bem-estar para muitos, também não fazia muito sentido – mas ocorreu mesmo assim, devido à dinâmica de poder na época.
Essas dinâmicas estão finalmente mudando e as economias emergentes estão assumindo a liderança na criação de um sistema de PI equilibrado que reconheça a importância do conhecimento para o desenvolvimento, o crescimento e o bem-estar. A produção de conhecimento não a única questão importante, mas que este conhecimento priorize a saúde e o bem-estar das pessoas antes dos lucros corporativos.
O Brasil tem historicamente tomado boas decisões em direção a esse objetivo. A concessão automática de patentes sem uma análise substantiva faria o país retroceder.
Arjun Jayadev é professor de economia na Azim Premji University em Bangalore e economista sênior do Institute for New Economic Thinking.
Dean Baker é economista sênior do Centro para Pesquisa Econômica e Política em Washington, DC. Ele é frequentemente citado em reportagens econômicas nos principais meios de comunicação, incluindo o New York Times, o Washington Post, a CNN, a CNBC e a National Public Radio.